
虐待者
what i create is chaos
before
É muito fácil se culpar os pais. Os primeiros psiquiatras que o encontraram na mansão se interessavam bastante por seguir essa linha de analise medíocre; aquela que escutou por sua vida inteira, das terapeutas sexualmente frustradas, dos mordomos metidos a psicanalistas. Sempre foi muito fácil culpar os pais pelo comportamento que crianças levam em sua infância, e como este mesmo comportamento o afeta quando chegam em sua adolescência, e como carregaram tais aprendizados para a vida adulta. Então, para explicar quem era Kazuo Kiriyama, era por ali que começavam, toda vez: seus pais. A mãe morta num acidente de carro quando o primogênito ainda estava em suas entranhas, e o político Japonês que tinha o infortúnio de chamar de pai que lhe tratara de maneira um tanto questionável por toda sua vida. Tentaram muitas vezes culpar seus pais, ou a “negligência” que sofreu quando criança pelos acontecimentos de sua vida adulta. Mas que maldito amor receberia da mãe? A vagabunda estava morta mesmo antes dele dar o primeiro choro de vida. Seu pai lhe dera conhecimento, e muito pouco disso, entretanto trouxera poder para Kazuo, muito mais poder que qualquer porção de amor poderia lhe proporcionar ao longo dos anos. Não havia culpa alguma em seus pais sobre o que aconteceu na noite de quinze de dezembro.
A história daquele ocorrido realmente começa nos primórdios de sua vida. Quando Kazuo não se passava de uma ideia. Seus pais não haviam sequer escolhido seu nome, ele apenas existia dentro do útero de sua mãe, aninhado a ela por uma ultima vez nas ruas a caminho de Osaka. Quando mais velho ouviria que aquela noite fora um encontro secreto de sua mãe com um banqueiro, para tirar dos Kiriyama o dinheiro que pertencia a eles por direito – se é que direito significava roubo de inocentes. Seu pai fez o que devia fazer, Kazuo viria a ouvir anos depois, mandando desviarem o carro para fora da estrada. Se a criança sobrevivesse ou não, era apenas uma questão de sorte. E foi. Mas não sem tirar algo do primeiro e único neto e herdeiro de todo o império construído por aqueles antes dele; um raro tipo de ferimento cerebral, o causou a sofrer uma espécie de lobotomia antes mesmo de nascer. Kazuo Kiriyama, então, nasceu incapaz de sentir qualquer emoção humana. Talvez, se olhássemos por esse ângulo então, a culpa realmente fosse de seus pais. A mãe, uma golpista nada inteligente, e o pai, igualmente desprovido de esperteza ao tentar se desfazer daquilo da mulher que um dia amara.
Crescendo, então, todos os sinais que levariam até aquela noite gritavam diante dos olhos do patriarca da família Kiriyama. O modo como seu filho, o pequenino Kazuo, adquiria talentos com uma rapidez impecável. Seu temperamento erradico e tão impulsivo que era capaz de machucar a qualquer um que lhe cruzasse o caminho; tanto física quanto psicologicamente, desde a menor idade. As babás que se demitiam devido agressões sofridas. Aquela que não sobreviveu a fúria do menino de onze anos, com uma corda de violino, e uma força descomunal devido as artes marciais que praticava. Quando passara a ser conhecido como “Chefe Kiriyama” por um grupo de seguidores fieis, como se fosse de fato uma figura religiosa, mesmo que apenas com quinze anos. Todos os sinais estavam lá. Não precisavam buscar muito, nem mesmo uma analise barata precisaria dizer que haviam pontos próximos demais daquele em que o garoto perfeito, ou “o menino de ouro” como seu pai o chamava, se provaria insaciável. Os tons mórbidos de seus quadros, não tinham graça, nem mesmo seus instrumentos. Cada tarefa, cada uma mais simples que a outra a seus olhos tão narcisistas.
Kazuo Kiriyama era, de fato, perfeito. Não havia nada aquela altura que não conseguisse fazer, caso desejasse. Andando pelas ruas do Japão, com um pai numa das posições políticas mais altas da época, sem figura ali que o impedisse. Acima da lei. Acima de si mesmo. Acima de cada Deus que se pusesse em seu caminho. Não havia nada que ele não pudesse fazer. Então, na noite de quinze de dezembro, ele resolveu colocar isso à prova.
After
A primeira noticia que saiu no jornal na manhã do dia dezesseis foi sobre o corpo encontrado. O modo que os tiros haviam perfurado a pele, e tudo que fora feito com o corpo depois disso. A cena era grotesca demais, até mesmo para a parte da cidade em que a jovem foi encontrada. Nenhum meio de comunicação teve coragem de postar imagens da cena do crime, era gráfico demais, sangrento demais. Poucas foram as mídias que revelaram com detalhes o que aconteceu ali, ou como a encontraram. Poucos foram os canais que mencionaram a falta de partes do corpo e de pedaços essenciais para a identificação da jovem deixada para trás de maneira tão brutal. A próxima noticia veio apenas com alguns dias de separação. O corpo estava num estado completamente diferente; deixado para trás em um canto completamente oposto da cidade, um homem, numa demográfica completamente diferente de idade e status social. Dessa vez, entretanto, os machucados se mostraram mais violentos. Envolvendo objetos cortantes e machucados feitos até mesmo após a morte; como se o assassino possuísse alguma apreciação doentia por criar ferimentos até mesmo sem a necessidade destes, para seu bel prazer – uma prova de total controle. Por saber que poderia tomar seu tempo com os cadáveres e ainda assim, não seria preso.
Não demorou muito para que as noticias se espalhassem. Os meios midiáticos serem obrigados a jogar de lado seus pudores e censuras, e então avisar ao público o que estava acontecendo. Algo inteligente da parte deles, de fato, se não demorassem até o sexto corpo para fazer isso. Naquela altura, as mortes já haviam se espalhado, os corpos caíam como moscas, sem padrão algum, sem aviso prévio, sem discriminações fosse esta de raça, gênero, idade, orientação sexual, ou posição social. Não parecia haver motivo algum por trás do que acontecia pelas ruas do Japão. Cidade atrás de outra. Era um grande jogo de gato e rato, no qual ninguém parecia estar realmente seguro. E não estava. Os corpos caíam da maneira que era decidida pelo assassino, onde ele quisesse, dentro de casas, em parques públicos, becos escuros. Um monstro, era como o chamavam no noticiário. Mal sabiam que, muitas vezes, se tratava do garoto silencioso, sentado no canto de um dos bares da cidade, aquele para quem as garotas não conseguiam deixar de olhar quando passavam pela porta. Aquele que um ou outro rapaz ousava se aproximar dependendo de onde estivessem. Aquele com a expressão rígida como gelo, mas ainda assim tão bela que poderia ser até mesmo amigável se ousassem dizer. Com as palavras certas, sempre as malditas palavras certas.
Aos poucos, então, as mortes diminuíram. E Kazuo Kiriyama foi embora do Japão. Como tudo que havia começado, afinal, aquele jogo passou a cansá-lo. No começo era divertido, a sensação de poder, o medo que infringia nas pessoas, fosse aquelas cuja vida sentia escapar entre seus dedos, aquelas das quais se desfazia como lixo. Ou aquelas ao seu redor onde quer que fosse. Depois de um ano desta mesma atividade, porém, não havia mais nada para ele ali. Foram homens, mulheres, idosos, crianças. Foram os crimes mais hediondos que ele poderia imaginar, com os mortos, com os vivos. Criara quadros com o sangue daqueles que matou, pinturas excepcionais. Revelou até mesmo cada um de seus crimes para o político que o criara, aquele que o fez assistir tamanhas atrocidades em meio a máfia durante sua infância que se perguntou qual dos dois seria preso primeiro caso o patriarca dos Kiriyama ousasse leva-lo até a polícia. E então, se colocou no caminho da rua. Com parte do dinheiro que lhe era de direito, e em direção a Coreia. Onde começaria alguma nova atividade.
Inicialmente, após se estabelecer em Seoul, começou estudando na faculdade de Artes Visuais. Aprimorou suas habilidades de pintura, e praticou tanto violino quanto piano toda chance que tivesse. Para seus vizinhos, o jovem japonês, aquele que morava no apartamento de numero seis, o garoto charmoso cujo nome para alguns ainda parecia um mistério, era apenas isso: um estudante e um violinista. Não havia passado algum para Kazuo ali. Não havia sangue em suas mãos muito menos em suas telas. Pelos primeiros meses em que se estabelecera ali, era um dos jovens mais pacíficos que poderia se imaginar. Ainda um menino de poucas palavras, sempre pronto para observar todos a sua volta, com olhos para cada detalhe sobre o cotidiano de cada um que o rodeava. Precisava ser cuidadoso, se queria tornar aquela atividade interessante novamente, se queria aperfeiçoa-la, se queria ser o melhor. E seria. E foi. A primeira morte que causou na Coreia novamente passou despercebida, afinal, ali não havia a asa protetora de seu pai para encobri-lo caso tudo fosse por água abaixo. Ou era o que acreditava.
Mas Kazuo não podia controlar tudo. E, fora de seu alcance, seu pai fazia uma ligação para um licantropo próximo ao sociopata da família Kiriyama – se é que havia apenas um deles. Um jovem destinado a ser seu guarda costas na Coreia do Sul. Até então, não existia nada no mundo que intrigasse verdadeiramente Kazuo Kiriyama. Mas não foi até Kim Caleb entrar em sua vida, por uma porta arrombada, - um verdadeiro brinquedo pessoal, incapaz de morrer ou de sequer se machucar diante das mãos tão brutas e prontas para ferir do assassino em série -, que Kazuo entendeu o verdadeiro significado de obsessão.